domingo, 19 de junho de 2011

Baderna ou Justiça?

Em apertada síntese: quinta de manhã, dia 02/06/2011, revolta no Centro da cidade contra as altas tarifas cobradas pelo serviço de transporte público. Houve obstrução de todas as vias por parte dos manifestantes. A polícia, a mando do vice-governador (o titular do cargo estava em Brasília) chegou e reagiu com bombas e balas de borracha. Pela tarde, os manifestantes reprimidos no Centro se dirigiram à Universidade Federal, onde foram acolhidos pelos estudantes. Houve mais repressão policial militar (que no ES é chamada de BME). De noite, os alunos caminharam por uma das principais avenidas de Vitória, rumo à ponte mais importante da cidade. Lá, foram recebidos com estratégia de guerra, cercados pelo choque e pela cavalaria, aproximadamente 30 estudantes foram presos sem qualquer fundamento legal, isso sem contar os chutões e demais grosserias praticadas sobre quem quer que estivesse transitando na hora.

No dia seguinte, houve uma passeata organizada até a ponte já referida, tendo sido abertas as cancelas do pedágio. Isso depois de o BME ter recuado diante de seis mil pessoas que aderiram ao movimento.

Muita gente, no meio social, tem se colocado contra a manifestação. Em termos gerais, comprou-se a idéia midiática de que a “baderna” feita pelos alunos legitimou a ação violenta da polícia.

Simbolicamente, esse protesto representou um grito dos alunos, sobremaneira dos pertencentes à Universidade Federal, que há muito estava sufocado. Isso porque, desde sempre, e também recentemente, o Estado vem praticando abusos para com os seus cidadãos. Há poucas semanas, por exemplo, foi divulgado um vídeo de os policiais desapropriando pessoas carentes, com uma brutalidade tanto impressionante, quanto desarrazoada, no município de Aracruz. Tudo para que a sede de uma grande empresa fosse instalada.

Na manifestação do dia 2, os ânimos estavam inflamados. O grito eclodiu perante os abusos do Estado. Afinal, os alunos são treinados nos ambientes acadêmicos pra isso, desenvolver pensamento crítico e lutar por seus direitos. Resultado? Repressão! O pior tipo que se possa imaginar. Policiais militares – estaduais - atirando bombas dentro de uma Universidade Federal.

É muito importante ressaltar que não é o Estado que cria a Constituição. É exatamente o oposto, ela é que legitima a existência estatal, e é ela que vai determinar como ele pode proceder. A Constituição Federal foi criada pelo Poder Constituinte, e está ACIMA dos poderes de qualquer governante, inclusive do Presidente. Aliás, uma das funções do Texto Magno é limitar a ação estatal, evitando formas tirânicas de governo.

Destarte, a letra da Carta Constitucional, pro que nos interessa, no que tange os direitos e garantias dos indivíduos, é inquebrantável. O direito à manifestação livre está lá positivado, no art. 5º, inciso XVI. Quando um governador fere a Constituição, ao violar a liberdade de expressão dos alunos, ele desrespeita o próprio poder que o legitima como representante do povo.

Quem está interado sabe que a hora que a polícia mais atacou foi na quinta de noite, quando o movimento já tinha sido “organizado”, não havia mais vias obstruídas, só alguns alunos marchando pela cidade em busca de seus direitos.

A Manifestação Popular é o Ministério Público do povo. Representa uma verdadeira forma de fiscalizar aqueles que lidam com o dinheiro público. Convenhamos, as coisas não estão boas, falta saúde, educação e infra-estrutura básica. Se o governo não tiver medo dos seus governados, então ele não irá agir com eficiência e presteza.

É que é introjetado no corpo social, desde cedo, a idéia de se acostumar com o medíocre. Por isso, também, é que ninguém luta, pois estão acomodados na torcida de que as coisas não piorem tanto. Ora, acreditar que podemos alcançar uma qualidade de vida boa não é utopia. É plenamente praticável obter do poder público uma assistência social de qualidade, e não ter que se conformar com investimentos super-faturados ou desviados. Tantos países, em maior ou menor grau, já gozam dessa suposta utopia, nos provando que é possível. Contudo, a verdade é que, pra chegarmos nesse patamar, será necessário pressionar os governantes. Mesmas ações trazem mesmos resultados. Se ficarmos inertes, nada tende a melhorar.

Se a manifestação contra as passagens altas do transporte público foi ou não bem conduzida, não se pode precisar. O que se sabe é que os alunos estavam exercendo um direito garantido constitucionalmente, e o Estado não pode repreendê-los com violência, através da polícia. A polícia institucionalizada, no Brasil, foi criada por cerca de 1830, sob a epígrafe de Guarda Nacional, e servia para manutenção dos interesses dos famigerados coronéis. Hoje, estes ainda existem, mas com outros nomes. A polícia continua não desenvolvendo uma política de proteção à sociedade, mas de repressão.

Enquanto estivermos presos aos dogmas egoístas impregnados na sociedade desde que houve a bipolarização das classes, exploradores-explorados, dogmas que, por exemplo, nos conduzem à condenação de um movimento social contra um serviço público mal gerido, seremos reféns do Estado, na medida em que remamos em desfavor daquilo que fazemos parte: o tecido social humano.

Aliás, no caso dessa manifestação em especial, vale lembrar que o Direito à educação também é constitucional e, em se tratando de tempos em que se almeja um Estado verdadeiramente democrático, a busca em efetivar as garantias previstas na Carta Maior, como a educação, tem que se dar no campo prático. Tal busca, inexoravelmente, passa pela discussão sobre a prestação do serviço do transporte público, já que ele é tão vital para que os alunos cheguem até suas escolas.


Criticar o movimento do alto do conforto do sofá é muito fácil e cômodo. Se alguém discorda de alguma proposta do manifesto, que junte-se ao movimento e sugira melhorias. O que não pode é, diante dessa safadeza com o dinheiro público alastrada por toda a pátria, querer tirar a legitimidade dos corajosos que estão lá nas ruas, tomando tiro de borracha, lutando por dias melhores.

Finalmente, para aqueles que concebem não estarem os alunos protegidos pela Constituição, entendem que uma manifestação desrespeita a ordem civil e a segurança jurídica, que classificam os manifestantes de baderneiros, eu proponho a seguinte reflexão: Quando a execução da Lei se faz contra a moral, é imoral lutar contra a execução da Lei?